O pequeno morro da casa de minha avó era muito grande;
Os braços curtos da minha avó pareciam muito compridos na hora de nos receber;
Minha avó parecia muito grande quando eu era menino pequeno;
O olhar de minha avó, quando chegávamos em sua casa, parecia um caminhão cheio de carinho;
O sabiá cantava bem baixo, mas parecia dar o alarme para avisar à vovó que estávamos chagando;
Minha avó se agigantava quando sentava à mesa com seus quatorze filhos;
A pequena hora do almoço parecia uma enorme festa na casa de minha avó;
O gado do meu avô era quase infinito aos meus olhos de pequena criança;
Quando meu avô me levou pela primeira vez numa pequena cidade, eu pensei que estava na capital do mundo;
A pequena velocidade da Maria fumaça me assustava; ela parecia ter a rapidez dos pensamentos de minha cabeça de criança;
Quando andava na garupa da mula de meu pai, ele parecia um gigante a me dar segurança;
Quando meu pai ameaçou me dar uma palmada, minha alma pequena sentiu medo do mundo acabar em desamor;
O cachorro da minha casa era descrito por mim como o maior cachorro do mundo;
A cantiga dos boiadeiros que arranchavam na fazenda do meu avô atingia em cheio minha alma de criança. Aquilo parecia uma imensa festa dos caboclos de minha terra;
A pequena galinha garnisé que esbravejava quando eu passava perto de sua prole, transformava-se numa gigante ameaçadora;
De tão grande que parecia a pequena cobra coral que encontrei lá na grota da fazenda de meu tio, que ela parecia uma sucuri que conheci depois de adulto;
O carinho de minha pequena avó parecia inundar meu mundo interno; era como se ele se transformasse no grande Rio Chapadinha em tempo de enchente;
Demorei a descobrir que o ribeirão que passava nos fundos da casa de minha avó não era um rio;
Demorei muito mais para saber que minha avó com sua tamanha bondade não era a mãe de todos os habitantes do córrego da chapada;
Passei muitos anos até descobrir que o olhar encantador de minha prima de terceiro grau era apenas um jeito de demonstrar amizade por mim; eu pensava que ela me amava do mesmo tanto que a amei em meu amor platônico;
A fazenda de minha avó tinha muitos pássaros a cantar e eu pensava que lá era a maior parte do mundo;
O monstro que eu via quando passava no bambuzal da fazenda de minha avó era apenas uma pequena parte de minhas fantasias de criança;
A cidadezinha onde eu morava era vista por mim como a capital de Minas Gerais;
Em meu mundinho de fantasia nada que via escapava de minhas criações. Eu transformava tudo que via em grandes coisas que talvez nem coubessem no mundo real;
Via tudo agigantado, mas um dia descobri que gigante mesmo era eu, que transformava tudo que via em um grande mundo;
Eu fiz das pequenas coisas – mesmo sem querer – um mundo a girar em torno de mim. Algumas vezes fui vilão, outras vezes fui vítima do mundo que eu mesmo criei, mas graças aos carinhos de minha avó e das pessoas que ela pôs no mundo, me livrei da grandeza extrema e do infinito medo que meus monstros me faziam.
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