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11/ago/2010

O envelhecer das cidades

Autor(a): Jason Jair Frutuoso

Sempre me preocupei com o fato de as florestas terem interrompido o processo de envelhecimento, ou melhor, com o fato de o homem estar extirpando grandes e pequenas árvores que constituem o pulmão da terra. Quanto às florestas, podemos afirmar que vale o ditado há muito proferido para o vinho: “Quanto mais velha melhor,” mas o que vemos é a destruição de jovens e velhas árvores. É o uso irracional da natureza por quem se diz o mais racional ser da terra. Claro que a natureza está ai para servir ao homem, mas para isso teria que receber dele os cuidados necessários à sua sobrevivência – o que nunca ocorreu.

Em relação às grandes cidades, o mesmo ditado do vinho não se aplica, ou, pelo menos, não tem sido aplicado, pois elas se transformaram em velhas doentes.

“Lembro-me bem de minha infância, de quando eu e meu irmão íamos para a escola sem acompanhantes, passando em frente às casas onde, sem os muros altos de hoje, nos era permitido ver seus jardins bem cuidados e floridos; me lembro até de um papagaio que sempre cantava quando passávamos em frente à casa de seus donos.

A cidade caminhava devagar e era fácil encontrarmos pessoas reunidas do lado de fora, na rua, sem o risco das balas perdidas, das quais só ouvi falar depois de ter me transformado em adulto. As favelas que circulavam grande parte da cidade ainda eram vistas ao longe e as promessas das políticas habitacionais não nos deixavam fazer nenhuma previsão de vermos hoje as balas atingirem as janelas dos apartamentos, por vezes até matando as pessoas que neles habitam. Aliás, os apartamentos localizados em luxuosos edifícios, em bairros de igual luxo, foram os primeiros resultados da violência urbana, que teve seu início por mãos humanas que, como aquelas que extirparam nossas florestas, colocaram no chão as casas dos jardins bonitos, papagaio cantador e até mesmo os donos do papagaio. Pensando bem, posso até imaginar que os devastadores de florestas podem ser os mesmos que destruíram a parte antiga de minha cidade. Como era bonita a minha cidade! Nem me lembro direito onde ficava a minha casa nem a casa do papagaio que cantava; ele cantava uma antiga marcha de carnaval. Como era bonito o carnaval do Rio!

O amontoado de grandes edifícios escondeu nossa história e evidenciou a desigualdade social, misturou tubarões abastados aos pobres revoltosos que se vêem no andar de baixo da pirâmide socioeconômica, embora morando acima dos que aqui chamei de tubarões. Como as desigualdades sociais são intrigantes e revoltantes! Não vemos mais tranquilidade nem em ricos nem em pobres, a desordem social colocou em guerra a força econômica e a força das armas, armas que vem de fora ou das mãos daqueles que ceifaram as florestas e as velhas e boas casas da minha cidade. Será que alguns daqueles “tubarões” não são hoje vítimas das balas perdidas? É bem provável que estejam bebendo do próprio veneno. Os venenos são assim, quando destilados em pequenas doses não fazem nenhum mal e podem até servir de remédio, mas como os tubarões estão sempre desejando crescer, mais cedo ou mais tarde estarão mergulhados em um mar de consequências desagradáveis”.

Esta foi a narrativa de um desconhecido de quem sentei bem próximo em um banco de uma praça pública - um dos raros bancos que mesmo com algum medo ainda se pode sentar. Ele parecia melancólico e a atualizar a história de sua infância. Ele terminou seu relato com um longo suspiro e caminhou até desaparecer na curva da rua.

Nem me lembro direito como foi que ele começou aquela sua história; talvez seja porque passou um sujeito mal-encarado perto de nós, mas hoje nem sempre os mal-encarados é que são os maiores bandidos. E você, tem acompanhado os últimos noticiários?

Ele falou tanto que acabei quase cochilando durante sua narrativa, mas o que ouvi foi suficiente para pensar que as mesmas ações que impedem o homem do campo de sobreviver na natureza lançam-no para as cidades e inocentemente eles acabam contribuindo para a desordem econômica e social do país, ajudando a crescer a violência urbana, o desemprego, a miséria e a própria desigualdade cultural entre pais e filhos. Chega a ser estranho o próprio lar, onde os valores dos pais e dos filhos se chocam, provocando enormes conflitos familiares.

Manipuladores e manipulados transformam as cidades em velhas sem saúde. Os governos? Eles continuam assistindo a tudo e por vezes até tiram proveito da situação. Eles até que gostam deste caos, porque é nele que moram milhares de votos.

 
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