Um dia desses fui ao velório de um amigo. Não há velório engraçado. Ali confirmamos a nossa finitude e refletimos sobre o significado de pertencermos ao grande grupo que denominamos “humano”. Após tal experiência, não temos mais como negar que, mais cedo ou mais tarde, também partiremos.
Cheguei cedo demais e fiquei por ali tentando comparar o ser humano a alguma coisa: com bichos, construções e outras tantas coisas.
Ainda sentado no banco do velório, solucionei meu impasse: resolvi que o humano é comparável a um jardim. E quem não gosta de um jardim? Acho que – com raras exceções – todos gostam; alguns não só gostam, mas também cuidam bem dele.
Mas em nosso jardim nascem plantas que não desejamos e, então, passamos boa parte da vida arrancando-as, tentando deixar somente as que os fazem ficar bonitos e agradáveis.
O ser humano também tem dentro dele, as ervas daninhas: são características indesejáveis, que precisam ser erradicadas, para que ele possa ficar como o jardim bem cuidado. Mas ele não é suficientemente bom para transformar sua vida em algo tão perfeito quanto os jardins que idealiza.
Embora a morte seja assustadora, é a partir dela que nosso ser é aperfeiçoado, mas, pelos nossos parentes e amigos. Agora, ninguém precisa mais arrancar as ervas daninhas do nosso ser, como fazemos com as do jardim que cultivamos em nossa terra. A partir da grande perda, a metodologia utilizada para aperfeiçoar nosso ente querido será outra: em vez de arrancarmos as ervas que não desejamos, vamos, na verdade, retirar dele uma a uma, todas as plantinhas que queremos que faça parte de nosso mundo interno.
Ao final de algum tempo estarão formados dentro de cada pessoa, muitos jardins: um para o pai, outro para a mãe, outro para o amigo e assim por diante.
O tempo que cada um precisa para realizar a transferência de todas as plantas (características) para o jardim do mundo interno, depende dos recursos que cada um possui. Podemos afirmar sem medo de errar, que após a construção aqui proposta, não precisaremos mais ter a pessoa falecida à nossa frente para estarmos com ela, porque ao final da obra ela passa a morar dentro de nós.
Se nunca pudermos construir o jardim para guardarmos as boas características do ente que partiu, não vamos conseguir liberá-lo; não vamos equacionar o luto que poderá se transformar, mais cedo ou mais tarde, em incômodos que vão atordoar nossa mente.
Então, vamos iniciar a construção dos jardins da alma?