Em certa ocasião, conheci na minha terra um menino que aqui vou chamar de Marcelo. Marcelo tinha sete ou oito anos de idade, não sei muito bem, talvez sete mesmo. Movido pela paixão, passava horas e horas a sonhar com um tempo em que se casaria com sua prima, para ser mais exato, primas de sua mãe. Era de verdade uma moça muito bonita e delicada. De todos os sonhos impossíveis de Marcelo, talvez fosse esse o mais produtivo, porque em sua cabeça de criança podia construir a morada do casal (dele e de sua amada), se tornar fazendeiro e até mesmo criar a imagem de uma grande família: com ela e uns seis filhos mais ou menos.
Lembro-me como se hoje fosse, de uma tarde ensolarada caindo uma chuva mansa, porém capaz de produzir uma pequena enxurrada na rua de terra umedecida pelas chuvas de janeiro.
Marcelo caminhava pelas pequenas valetas, a chutar e a observar a água da chuva com suas gotas cor de prata que subiam à luz do sol, atraindo seu olhar que, através delas, arquitetava seu futuro com Norma – era como ela se chamava – se esquecendo de que em breve ela se casaria.
Num outro belo e ensolarado dia, novamente chutando água de chuva, contava as gotas a imaginar que elas representavam seus sonhos e o quanto de sucesso teria ao lado da bela moça. A mágica infantil parecia lhe cegar, impedindo-lhe de ver a diferença entre sua idade e a de Norma e de compreender que o casamento dela com João Pedro era quase um fato consumado.
Tudo parecia próspero em sua onipotência de criança, na qual construíra ao redor de seu corpo pequeno, uma máscara que o impedia de perceber a real diferença de seus corpos e suas mentes.
Era grande sua mania de caminhar pelas ruas em tempo de chuva, e, numa outra tarde turva, voltava para casa, vindo do grupo escolar, pela rua de baixo (nome que costumávamos chamar uma das três ruas de nossa cidade), tentando em vão, contar as gotas que subiam sem a luz do sol. Seus sonhos não combinavam com o tempo ofuscado pelas nuvens pesadas, período em que as chuvas passaram a cair sem dar espaço ao sol.
De repente viu a moça chegar, e antes mesmo de seu coração bater feliz, sentiu-o batendo sem controle, ao avistá-la com o rapaz bem vestido, de idade próxima à de seu pai.
Não demoraria mais que 60 minutos para que seus planos e sonhos fossem derrubados ao “chão”; Norma e João Pedro entregariam aos pais de Marcelo um convite para o casamento deles. A partir de então, Marcelo sentiu-se despido de toda a possibilidade de negar que ela era grande demais para ele; se o noivo tinha idade para ser seu pai, ela também tinha idade para ser sua mãe.
Durante o tempo que faltava para terminar o período chuvoso, quando caminhava pelas ruas de sua cidade, não chutava mais as gotas prateadas da água de chuva que se elevavam à sua frente; não as contava mais, nem as comparava em número, aos benefícios de seu casamento com sua prima de segundo grau. Seus olhos azuis olhavam através delas e, viam lá, no fundo, um grande vazio. Era certamente seu primeiro estado de luto; era de fato a queda da obra da fantasia de criança; com certeza a mais pura realidade construída em cima da fantasia.
Felizmente seu luto não durou tanto e outros sonhos povoaram sua cabeça pequena.
A paixão e a decepção foram de verdade, mas não mais verdade do que a capacidade de Marcelo em superá-las.
E NÃO VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE!
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