Certo dia ainda estava deitado, era manhã bem cedo de um dia escuro que parecia até gente de sorriso trancado – um dia desses em que o céu parece baixar sobre a terra – quando, de repente, ouvi barulho de passarinhos. Eram diferentes dos que costumava ouvir por ali. Até então só um grande grupo de pardais viviam lá pelo nosso quintal como donos de tudo!
Era a linguagem de dois passarinhos amarelos no limoeiro, que apresentavam uma mistura de festa com apreensão. De curiosidade não consegui manter a janela fechada, nem ficar na cama. Abri a janela e lá estavam os dois: o casal de passarinhos amarelos, um casal de namorados que efusivamente se comunicavam. Eles pareciam felizes. Afinal, era o local escolhido para a construção da casa deles. Pensei cá com meus botões: “O que será que estão planejando para o futuro? Certamente conversavam sobre o casamento deles, sobre o local onde iriam morar – o que já parecia quase decidido – quantos filhos teriam e, tenho quase certeza, falavam do momento exato em que iniciariam a constituição da família e a construção da casa (ninho)” – o que certamente ocorreria primeiro.
As manhãs continuavam, a partir dali, com a mesma festa do casal, até que num domingo de dia claro, saímos para ver a natureza e quando passamos pelo limoeiro, vimos alguns fios de cabelo com restos de folhas e outros materiais da natureza e indagamos: “O que será? Será que isso pertence aos namorados passarinhos?”
Nem um minuto se passou e veio a confirmação: os dois chegaram carregando a matéria-prima, eles construíam juntos a base da moradia. E eu, então, pensei: “Que coisa bonita, dois bichinhos tão pequeninos! Como podem ter tamanha inteligência? Como descobriram que juntos construiriam algo tão importante?”
Mais uma semana se passou e o ninho começou a tomar forma, deixou de ser aquela coisa indiferenciada e virou uma espécie de estrutura com alguma definição. O meu acordar continuou acontecendo com festa e agora a casinha, ou melhor, o ninho deles já parecia uma concha que mais tarde seria um aconchego para os filhos. Fiquei maravilhado! Eles são namorados, noivos, virarão um casal com a brilhante profissão de construtores. Completos, não?
Um dia chamei minha companheira para ver tamanho feito e, de repente vieram todos da minha família e a admiração foi grande. Não convidamos nenhum vizinho porque tivemos medo de alguém estragar a arte deles. Distraímos um pouco e mais alguns dias se passaram, e vejam o que vi: a esposa do passarinho estava deitada no ninho. Era meiga, bonita e, com certeza, estava muito feliz no conforto de seu lar com mil sonhos para depois.
Do lado de fora estava o esposo, que falava gritando. Era possível compreendermos o que dizia: “- Saiam daqui! Vocês não podem destruir nossa casa! Temos medo de vocês!” Aliás, o homem é, na verdade, o maior destruidor da natureza, principalmente os ditos “civilizados”.
Minha curiosidade ia ficando cada vez maior, mal podia me conter de vontade de ver bem no fundo do ninho. Cheguei com carinho e com jeito olhei lá bem dentro e vi um ovinho e outro não tardaria a aparecer ali. A fêmea passou a morar em cima dos ovos, que um dia começaram a formar os embriões. Era mais um milagre da vida, eles eram tão pequeninos, imagino, que nem daria para ver direito e com certeza, seriam o orgulho dos pais e nosso também. Não sei quantos dias se passaram e de repente os pais passarinhos desempenhavam outra tarefa: Eles carregavam comida para matar a fome da prole. Os filhotes haviam nascido e até já possuíam asinhas. Seus pais pareciam ter por eles um amor profundo. Deles tratavam e conversavam na linguagem que não pude compreender, mas parecia carinhosa.
A festa aumentava a cada dia e um ser pequeno já mostrava sua minúscula cabecinha como se olhasse da janela. Ele era muito feliz! Um dia, o mais velho saiu do ninho. Os pais passarinhos faziam festa, mas mostravam-se muito preocupados. Logo imaginamos o que um bichinho tão pequeno poderia fazer num mundo tão grande!
Como humanos que somos só dava mesmo para admitir muitas dificuldades para o futuro de tão inocentes passarinhos: Cachorros e gatos eram inúmeros ao redor deles, sem contar alguns “gaviões da cidade” que rondavam a área. Suas vidas estavam por um fio!
Que pensamento bobo nós temos, até parece que os bichos não são capazes de sobreviver! É claro que a ação dos homens pode exterminá-los, mas por conta deles, todas as espécies sobreviverão. Enquanto esses pensamentos giravam pelas nossas mentes, um filhote ameaçou voar e confesso que me deu vontade de agarrá-lo; o outro também saiu do ninho. Fácil não foi, havia bocas dos cachorros e a voracidade dos gatos ali por perto. “Uma vida dessas não teria nenhuma segurança”, foi o que disse uma vizinha abelhuda que palpitava em tudo. Eu também admitia o mesmo.
“Oba! Voou o primeiro! Caiu. Ai meu santo, e agora? Ainda bem que não tem gatos por aqui agora”, palavras minhas. O outro ameaçou voar, primeiro pousou num galho, o segundo voou alguns metros. Os pais faziam muito barulho, acho que tinham medo dos homens, dos cachorros e dos gatos. A chuva era muito forte. Um pouco desiludidos, entramos todos e a partir dali não controlamos mais a situação. Eles foram embora.
Afinal, as coisas são assim mesmo: nascer, crescer e separar-se fazem parte da vida. Quem sabe se um dia os reencontraremos? Eles vão crescer e, vão também namorar, casar e construir uma moradia, porque todos os bichos se preocupam com a casa da família. São mais desenvolvidos que muitos homens e não deixariam essa tarefa cair no esquecimento.
Um dia vi um homem velho dizer ao neto que é obrigação das pessoas preocuparem-se com a vida dos filhos e com a sua própria, que devem constituir e construir para preservar a espécie e a ela dar conforto. Com o que ouvi do ancião, pensei nesse mundo, onde muitas famílias crescem sem construir e às vezes, sem nem mesmo ser constituídas direito, moram em casas que não são suas e às vezes nem moram. É o ato irresponsável de apenas “fazer” sem se envolver.
Os filhotes voaram e lá se foram com seus pais. Certamente a eles foram ensinadas várias formas de se viver neste mundo da grande cidade. Não são mais selvagens, são modernos. E para ser moderno tem que se pagar um preço. Nunca vão conhecer a vida calma dos grandes campos e com seus pais vão aprender como se defenderem dos perigos daqui.
Vários dias se passaram e, numa manhã de sol, ouvimos uma festa. Eram eles! Quando abrimos a janela eram apenas três. Estavam alegres, mas os pais emitiam sons que certamente eram uma forma de chamar alguém. Certamente haviam perdido um dos filhotes na imensidão da cidade. Mesmo assim achamos que tudo estava legal, pois, a vida dos bichos é diferente. Ele pode ter alimentado um pardal faminto, quem sabe um gato voraz ou até um gavião fugitivo e faminto. O filho que escapou já era grande, mas ainda recebia alimento do bico dos pais. Foi aí então que percebi mais uma semelhança entre eles e os humanos – o filhote já voava, mas não só, talvez como o adolescente que pensa, emite seus valores, mas ainda precisa de proteção.