NOSSO NINHO
Densas lembranças pintam em nossa mente quando vai se aproximando a Festa Vermelhense, mais precisamente a “FESTA DO VERMELHENSE AUSENTE”, como costumava ouvir em meu tempo de criança e adolescência. Sem que eu faça qualquer esforço, toca em minha mente um sambinha que tocava nas casas onde dançavam e celebravam o encontro. É bem verdade que havia certo incômodo, porque eu pensava que morar fora, ter emprego era um privilégio quase inalcançável.
Certo dia minha comadre, de quem não vou revelar o nome, disse-me: “Vá meu compadre, você trabalha muito e, como você está vendo, nem mesmo pode tomar uma cervejinha com os amigos; você não tem recursos para viver uma vida melhor. Até as malas dos que moram fora é mais bonita do que as nossas. Tenho certeza que você vai se sair bem já que é um trabalhador sem preguiça”.
Minha comadre tinha razão, mas não cem por cento de razão; ela não me explicou como ficaria minha emoção ao deixar meu ninho e sair para voos tão distantes, nem sobre o poder cortante da saudade que de vez em quando invade a alma de quem deixa sua origem para viver a realidade dos outros; tentar combinar o jeito meio roceiro de ser com o jeito citadino, onde a necessidade de acalmar a mente choca com a necessidade de ganhar mais do que precisa para viver, é algo muito difícil. Para viver longe da origem é preciso pagar o preço do progresso em terras aleias.
Tenho muito a agradecer à minha comadre; foi bom, tive progresso, talvez mais do que eu esperava para quem sai da terra natal com apenas aquelas duas apresentadas com frequência através daquele velho ditado: “uma mão na frente e outra atrás”. Nunca entendi bem esta frase, mas é certo que ela indica que nada trouxe além de mim mesmo. O que me ajudou muito foram aqueles companheiros que comigo iniciaram esta longa viagem, a meu ver, com volta apenas para uma pequena visita à minha mãe terra, como as que fiz durante anos e anos à minha origem familiar.
Hoje, sem poderes para desmanchar os trabalhos que as linhas do futuro bordaram, procuro chegar à minha terra pelo lado do 350 (nome que dávamos à vila Don Correia, por ela ter sido fundada bem no quilômetro 350 da Rodovia Rio Bahia. Ao chegar, procuro comtemplar lá do alto da Serra Mãe de Deus (antes chamada de Serra dos Vitorino), para ver lá em baixo nosso ninho, de onde voei como os filhotes da águia voam para conquistarem a sobrevivência; saio pela mesma estrada para olhar para baixo, filmar, fotografar e dizer um até breve.
Na saída digo a mim mesmo: que bom que mãe terra, como nossa mãe, nos prepara para viajar, sem deixar de nos oferecer sua doce imagem para guardarmos em nosso mundo interno, o que nos permite sentir que mesmo estando longe ela se faz presente – nunca estamos sós.
Se a minha comadre pudesse retocar aquela sua conversa, certamente diria: “Vá! Vai ser difícil, mas meus filhos também foram e deu certo”.
AO ME DIZER PARA VOAR, ELA ESTAVA DIZENDO TAMBÉM, QUE EU TINHA CAPACIDADE PARA CAMINHAR LONGE DE MINHAS MÃES: MARIA FRUTUOSO E TERRA.