Em certa ocasião, Dona Francisca, mãe de uma menina de quatro anos chamada Mariazinha, compareceu ao consultório de um terapeuta para buscar orientação sobre a filha que manifestava alguns sintomas comumente denominados psicossomáticos: “Minha filha anda se queixando de dor de barriga e tendo vômitos. Também de uns dias para cá passou a ficar mais rebelde. Levei-a ao médico e depois de vários exames o Doutor me disse que o problema dela é psicológico. Estou aqui porque ele me disse para procurar um psicólogo”.
Após prestar estas informações sobre a saúde da filha, a mãe fez inúmeras queixas sobre sua relação com o esposo – o pai de Mariazinha. Primeiro disse que o casal estava separado fazia tempo, mas ainda moravam juntos, apesar do conflito permanente entre os dois. Falou da indisponibilidade do marido para ajudar a cuidar da criança e das despesas da casa das quais ela era a única provedora. Disse ainda que recentemente o casal havia discutido de forma ríspida na presença da criança.
Em seguida falou de sua depressão, o que para o terapeuta estava evidente. Disse que havia procurado um psiquiatra e realizado o devido tratamento.“Tratei e já estou de alta”. Logo em seguida disse que um profissional da saúde, seu amigo, havia lhe orientado a distrair Mariazinha quando ela se queixasse das dores: “Quando sua filha sentir dores, leve-a para dar um passeio, conte umas historinhas para ela, tente fazê-la esquecer suas dores”, o que a mãe seguiu direitinho. Mas com essa orientação, D. Francisca passou a entender que sua filha não sentia dores de verdade e sim usava artimanhas para manipulá-la. Depois de empregar várias vezes a conduta sugerida, ficou ainda mais desorientada porque a filha continuava a reclamar das dores e ainda por cima se tornava ainda mais rebelde no momento em que os sintomas se manifestavam.
“Se Mariazinha de fato não sente dores e se a orientação que recebi não modificou o quadro, então o que fazer?” Perguntou a mãe.
A situação estava muito difícil para a família de Mariazinha, porque quando ela apresentava os sintomas, pedia ajuda empregando a linguagem que sabia – chorava, gritava e ainda ficava agressiva. O desentendimento dos pais aumentava e como eles ficavam estressados com o problema da criança, brigavam na frente dela; ela, já estressada por causa dos conflitos dos pais, tinha suas dores aumentadas – uma bola de neve – e, assim, nem Mariazinha melhorava seus sintomas, nem seus pais chegavam a um consenso sobre o conflito que lhes envolvia e que aumentava com as queixas da criança – a dor da menina aumentava o conflito dos pais e o conflito dos pais aumentava a dor da menina.
Como os pais poderiam ajudar a filha se não compreendiam sequer suas próprias dificuldades?
As orientações que os pais haviam recebido do amigo profissional da saúde não eram suficientes para resolver o problema. A dor de Mariazinha, apesar de ter sido chamada de “dor psicológica”, era uma dor que doía de verdade. (Para Dr. José Carlos Santiago, do SITE www.jcsantiago.info, “dores psicossomáticas são dores que apesar de doerem no corpo e de serem bem reais em termos físicos, nada tem a ver com o físico”). Era como se Mariazinha utilizasse seu corpo para mostrar seu sofrimento emocional da forma que os adultos percebem melhor, localizando-o na barriga e no estômago. Com algumas pessoas é assim que acontece: quando não conseguem resolver seus conflitos utilizando mecanismos mentais, emprestam o corpo para representá-los, isto é, deslocam para o corpo aquilo que é tarefa da mente. Isso tem um preço e quase sempre o problema não se resolve. É necessário que os adultos escutem a criança e a ajudem buscar sentido para a dor que sente; assim, ela também irá equacionar melhor o próprio problema. Enquanto ela não compreender o que se passa em seu interior, não há como resolver. Além de uma boa escuta e compreensão, uma mudança favorável no ambiente familiar ajuda muito.
O Terapeuta orientou a mãe no sentido de dar ouvidos aos “choramingos” de Mariazinha, procurar compreender o que ela queria dizer com suas queixas – o que suas dores representavam. Procurou resumir para facilitar as coisas, solicitando o seguinte: “Quando sua filha chorar, reclamar de dor de barriga ou disser que está querendo vomitar, procure escutá-la, dê crédito à sua fala, peça para ela colocar a mão no lugar que dói, pergunte-a como dói e diga a ela que você acredita que sua dor é ruim e que deve estar mesmo lhe maltratando. Diga a ela que se a dor fosse em você, você também ficaria descontente; não tenha medo de dar-lhe o colo, pois se ela se sentir compreendida vai amenizar sua irritação e sua rebeldia. Se sua irritação diminuir, vai diminuir também sua dor. No que estiver ao meu alcance, vou lhe ajudar a compreender a causa do problema de Mariazinha. Por outro lado devo encaminhar vocês – pais – para alguém que possa lhes ajudar a discutirem, da melhor forma possível, seus conflitos. Então, Mariazinha estando livre do conflito dos pais e conhecendo melhor tudo que ocorre em seu interior, vai se tornar mais ajustada e vai melhorar sua saúde”.
A criança foi tratada com psicoterapia, a mãe voltou ao tratamento psiquiátrico e o casal aceitou o encaminhamento para uma terapeuta familiar. Ao final de 04 meses a dinâmica familiar havia melhorado e Mariazinha já não se queixava mais de seus sintomas.
Ainda bem que além de ter seguido os conselhos do amigo profissional da saúde, Dona Francisca aceitou também o encaminhamento do médico.
A história acima foi criada por mim, com base em minhas experiências profissionais, para mostrar que muitas vezes os problemas da criança estão intimamente relacionados a uma dinâmica familiar conturbada e que, com uma orientação adequada, a situação volta ao equilíbrio.