Dentre todos os animais o homem é o que mais depende da mãe no início da vida, por isto a figura materna pode ser considerada como nosso primeiro mundo. Vivendo em companhia de uma mãe provedora de suas necessidades, a criança vai aos poucos adquirindo a capacidade para as relações futuras. Claro que para isto é necessário também uma capacidade inata, o que depende da herança genética.
Ao nascer, o bebê vive um momento que os teóricos da personalidade chamam de fase indiferenciada, que vai de 0 a 2 meses mais ou menos. Nesta fase ele ainda não distingue o que está fora e o que está dentro dele, o eu do outro e suas necessidades são expressas através de manifestações motoras e do choro. Neste momento a maioria das mães tem plena capacidade para saber o que atormenta seu filho e o que deve ser feito para acalmá-lo. Ao perceber o desconforto dele, ela faz o papel de “ego auxiliar”, o que chamamos também de “doublé”. “Ego auxiliar” ou “doublé” é aquela pessoa que faz pelo bebê o que ele ainda não é capaz de fazer sozinho, fala por ele o que ele não é capaz de expressar, ou seja, decodifica sua linguagem rudimentar e devolve para ele de forma a ajudá-lo compreender suas próprias expressões. É assim, com o auxilio da mãe, que uma criança desenvolve seu processo de compreensão das coisas, aumentando aos poucos seu vocabulário.
Quando o bebê manifesta desconforto, a mãe no papel do ego auxiliar ou doublé, diz: “Estou molhadinho mamãe”; “estou com fome mamãe”; “estou com dor de barriga mamãe” e imediatamente ela procura meios para livrá-lo do desconforto e acalmá-lo. Com isto o filho aprende que seus sentimentos e desconfortos tem nome. Assim sua linguagem vai ficando mais desenvolvida, aprendendo a cada dia novas palavras, novas frases e aumentando seu equipamento interno para estabelecer suas relações interpessoais no futuro. Por isto é bom que o adulto que cuida de uma pessoa em desenvolvimento seja acolhedor e consiga clarificar o que ela expressa.
A mãe ou “mãe substituta” que não consegue compreender o que se passa com seu bebê, não decodifica suas mensagens, e consequentemente não vai também conseguir criar meios para aplacar seu desconforto. Não funciona adequadamente como ego auxiliar. Vale lembrar que ela vai se tornar um tanto mais capaz se receber apoio do meio que a cerca – o do esposo é fundamental.
O exemplo abaixo, embora tenha sido contado como forma de fazer humor, mostra de alguma forma o que ocorre com a criança quando a mãe não consegue traduzir adequadamente sua linguagem, além de evidenciar a sabedoria do Seu Isauro, homem simples, porém muito observador e inteligente.
Contou-me o Senhor Isauro que o filho da senhora Ana (pseudônimo) era muito birrento e que ela não sabia o que fazer quando ele começava a chorar; chorava muito e sempre por muito tempo. Toda vez que isto ocorria, Ana se desesperava e ficava muito irritada, chegando a um ponto em que ela gritava com ele e ameaçava-o dizendo: – “você quer cacetada? Então vou te dar cacetada”. E imediatamente pegava alguma quitanda e dava ao filho. Um dia Joãozinho fez uma de suas birras na presença do pai que perguntou: –'o que você quer meu filho?' E Joãozinho respondeu de pronto: – 'quero cacetada”. O pai, assustado, disse: “Uai, o que é isto sô? Num tô entendendo mais nada”!
No caso acima a mãe traduzia erradamente a linguagem da birra e acabou sem querer ensinando ao filho que quitanda pode se chamar, também, cacetada.