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26/dez/2015

Relação pais e filhos

Autor(a): Jason Frutuoso

DESQUALIFICANDO OS SENTIMENTOS DA CRIANÇA

 Em nosso cotidiano, como terapeutas de crianças, ouvimos muitas queixas de pais sobre os filhos, mas, muitas vezes, após escutarmos com atenção o relato deles, percebemos que o quadro clínico apresentado pela criança pode ser o reflexo de uma dinâmica familiar conturbada, sendo ela a protagonista dos conflitos familiares.

Na entrevista com uma mãe, ela nos contou que Paulo – seu filho – havia pedido para ir a um(a) psicólogo(a); mesmo ele dizendo que todos os dias estava sendo acometido por uma tristeza, para a qual não tinha explicação e apresentando uma instabilidade emocional a toda prova, a mãe disse não compreender aquele seu pedido: “Paulinho, você é um menino feliz, bonito e inteligente, e com certeza vai resolver todos os seus problemas com facilidade”. Ela continua: -“Eu sempre digo isto e peço para ele esquecer todas as coisas que o perturbam”. E ainda acrescentou na presença presença de Paulo: “Eu sei que eu e seu pai temos muito trabalho e quase não dá para estarmos com os filhos, mas damos tudo que vocês precisam. O que o senhor acha do que eu estou falando?”, perguntou.

Permaneci calado por um curto período, dando-lhe tempo suficiente para uma reflexão sobre seu relato e depois lhe perguntei como era a qualidade da relação deles (os pais) com os filhos e se ela se sentia gratificada quando estava com Paulo.

Novamente disse-me que sua batalha era muito grande e que esperava pelo reconhecimento dos filhos quanto a isto; lembrou também da própria infância e disse-me que quando criança passou muitas dificuldades por causa da situação financeira de seus pais, e que seu filho só tinha motivos para ser feliz. Veio sem o pai da criança e alegou que ele estava muito atarefado naquele dia.

Ela se achava suficientemente capaz de assumir a maior parte das tarefas de casa e as da empresa, onde tinham como sócio uma outra pessoa. Ao longo do meu trabalho com Paulinho, o pai compareceu só uma vez e falou pouco, deixando claro que o terreno das relações entre eles e os filhos era ocupado quase totalmente pela mãe, deixando apenas uma pequena parte para ele assumir. Na empresa ela era também a figura mais forte, e era ela quem tomava as decisões mais importantes. Percebi nela uma figura bastante onipotente - tanto na empresa quanto em casa.  Seu “poder” de empresária bem sucedida era levado para o meio familiar, o que dificultava sua relação com os filhos.

Talvez até de forma inconsciente, impedia que o pai relacionasse adequadamente com os filhos. Ao falar dos problemas do filho, parecia ansiosa, mas nada que a fizesse sentir necessidade de uma reparação pelo que entendi ser uma espécie de alienação parental velada. Às vezes usava o termo “acho que estou sendo uma boa mãe”, mas logo em seguida voltava a criticar o filho: “ele não tem razão para estar angustiado”, voltando, em seguida, a falar das razões externas (materiais) que Paulinho tinha para ser feliz. As queixas do menino quase sempre eram desqualificadas.

Paulo veio para sua primeira sessão individual na semana seguinte e disse-me que não contava suas coisas para seus pais, pois achava que eles não seriam capazes de compreendê-lo. “Bobagem, Paulinho, isto é coisa a toa, você é muito inteligente, você vai resolver isto tranquilamente; esqueça isto rapaz! é o que meus pais falam quando conto meus problemas para eles”. Os pais entendiam que a inteligência de Paulinho era suficiente para solucionar todos os seus problemas – internos e externos. Mas o filho não tinha a mesma convicção.

Notei que às vezes ele se sentia excluído pelos pais, que conversavam com muita frequência sobre trabalho, finanças e outras coisas relacionadas à empresa, mas o tempo para a criança era quase inexistente; a maior parte do dia, Paulo passava cumprindo as inúmeras tarefas acadêmicas e desportivas, o tempo restante, sentado no bando traseiro do carro dirigido por um motorista particular levando-o para suas atividades. Mesmo o motorista sendo bom companheiro, não supria a necessidade de Paulo estar com seus pais.

Para agravar ainda mais a situação, seus irmãos também não andavam interessados em suas queixas, menos ainda em seus programas, pois a diferença entre a sua idade e a idade deles é de quatro anos para o mediano e de seis anos para o mais velho, por isso, quase sempre ao ouvirem as queixas de Paulinho, eles o criticavam de forma veemente, não compreendendo as razões que ele tinha para tantas queixas. Então, não era só pelos pais que ele sentia-se excluído, mas também pelos irmãos.

Paulo repetia as mesmas queixas todos os dias, porque nunca as resolvia; repetindo queixas ele ficou até o dia em que os pais puderam ser mais continentes e o ajudaram a compreender o que se passava em seu mundo interno.

É assim que ocorre entre nós e nossos conflitos: repetimos, repetimos até resolvê-los; um mecanismo parecido com a aprendizagem das matérias escolares, que só aprendemos repetindo as lições por várias vezes, até que a tarefa possa ser internalizada sem a ansiedade de quem tenta resolver tudo sem aprender os mecanismos para a resolução.

Solucionamos melhor os problemas após aprendermos e internalizarmos as fórmulas. 

As figuras que formam o referencial para a criança precisam ter uma boa escuta, para depois darem às queixas dela a devida compreensão; é preciso que as interpretem para a criança, ajudando-a na busca de sentidos para elas. Enquanto isto não ocorre, a criança vai transferindo seus sentimentos para outros contextos. Para escola por exemplo.

Um dia Paulo chegou à sessão dizendo que estava muito triste, desconfiava estar sendo excluído pelos colegas da escola. Em outra sessão conjunta com seus pais, o pai mostrou-se preocupado com ele: -“Ele tem dificuldade para enfrentar situações novas, mania de perfeição e sentimento de menos valia”, disse. Segundo ele, Paulinho estava se “encolhendo pelos cantos”.

Para enfrentar situações novas é necessário que a pessoa resolva as antigas, é preciso que elabore seus velhos conflitos, porque é na resolução deles que adquire mecanismos para lidar com os novos. Mas se a comunicação com seu meio estiver muito complicada e ela  não se sentir compreendida em seus sentimentos, como vai adquirir a confiança necessária para fazer face às dificuldades tão comuns ao cotidiano de meninos e meninas?

A comunicação com o filho ainda era para os pais de Paulinho, um instrumento de difícil manejo. Em sua relação transferencial, ele passou a entender que o mundo também não o compreendia. E como confiar em um mundo que não nos compreende?

Para o caso de Paulinho, pedimos para seus pais tentarem modificar a forma de se comunicarem com ele: em vez de darem garantias de que ele resolveria seus conflitos com facilidade, por causa de sua inteligência e por ser bem amado, procurassem entender que quando chega o conflito, a inteligência não conta muito. É preciso ter paz suficiente para ser espontâneo quando o problema se manifestar, isto é, adquirir mecanismos suficientes para lidar com o novo e aprender respostas novas para lidar com situações novas.

 Ao final de algumas sessões, a mãe de Paulo estava certa de que, ao ouvir suas queixas, devia dar a elas a devida compreensão, parar de dar receitas e procurar compreender melhor o que se passava em seu interior, para depois falar para ele sobre a melhor forma de se ajustar às adversidades. Com isto Paulo passou a buscar novas maneiras de se relacionar com os colegas e com o mundo de um modo geral.

 

Condutas relativamente simples ajudaram bastante:

 Paulinho se queixa > pais escutam > tentam compreender > ajudam Paulo a compreender o que se passa > aí, então, eles podem falar sobre os mecanismos que ele utiliza para resolvê-los e até criticá-lo de forma construtiva. Agora fica mais fácil para Paulo compreender as críticas.

Os pais foram aconselhados a passarem mais tempo, não só com Paulo, mas também com seus irmãos.

 

Referências: - Freud, Edições Standard;

                     - Maria Tereza Maldonado: Comunicação Entre Pais e Filhos

                     - Françoise Dolto: Dificuldade de Viver.

                     - Violet Oaklander: Descobrindo Crianças.

                     - José Fonseca Filho: Psicodrama da Loucura.

                     - Outros.

 

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