* Trabalho apresentado em mesa redondaagosto de 2007 (IV Jornada I. de Psicodrama da ABP- Associação Brasiliense de Psicodrama).Baseado na Monografia de finalização do Treinamento em Saúde Mental (2003) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal do Hospital Regional da Asa Sul Brasília – DF. Registrado pela Biblioteca Nacional.
A natureza dos serviços desenvolvidos na Unidade de Terapia Intensiva junto ao paciente gravemente enfermo, é descrita como estressante tanto para o paciente e seus familiares como para a equipe de profissionais. Foi constadado, ao longo dos anos, a importância do trabalho do psicólogo neste contexto hospitalar. Paralelo ao avanço das práticas médicas na UTI, ainda existe uma deficiência na humanização do serviço, ou seja as necessidades de bem estar dos indivíduos não são priorizadas.
Analisou-se a subjetividade das relações grupais, a partir do conteúdo trazido por um grupo de profissionais da Unidade de Terapia Intensiva Pediárica do Hospital Regional da Asa Sul do Distrito Federal, durante encontros estabelecidos com o psicólogo. Estas reuniões faziam parte do Projeto de Humanização deste hospital destinadas ao atendimento psicológico da equipe na Unidade. O método qualitativo adotado, envolveu a observação participativa e uma entrevista semi-estruturada objetivando-se compreender como as reuniões, facilitadas pelo psicólogo, interferiram no trabalho interdisciplinar do grupo.
Foi concluído que estes encontros, destinados ao preparo emocional da equipe de saúde, contribuiu positivamente para a melhoria do trabalho interdisciplinar do grupo no contexto mencionado.
Palavras – chaves: UTI, humanização, interdisciplinar
A Unidade de Terapia Intensiva – UTI, um centro de atendimento urgente e intensivo no hospital, representa hoje, para a Medicina um grande avanço tecnológico. Os pacientes internados na UTI contam com um atendimento técnico e científico aprimorado, capaz de impedir a morte de pacientes e manter a sobrevivência em muitos casos improvável háalguns anos. Como descrevem Sebastiani e BiagiI, a Unidade de Terapia Intensiva é um recurso hospitalar destinado aos pacientes gravemente enfermos, os quais se encontram internados não por um comprometimento específico do organismo, mas sistêmico. “(...) A medicina intensiva é dirigida à pacientes com ampla variedade de patologias, cujo denominador comum é a extrema severidade de patologia ou o potencial para o desenvolvimento de severas complicações da doença. Isto envolve o risco de vida” .
Paralelo ao crescente avanço das práticas médicas na UTI, foi constatado, ao longo dos anos, uma deficiência no atendimento humanizado ao paciente e nas relações de equipe. Entende-se por humanização, a ênfase nos valores humanos. Neste contexto, aplica-se a uma forma de gestão centrada no indivíduo, onde o ser humano não é encarado como um mero recurso e suas necessidades e bem estar são priorizados junto ao bom funcionamento do serviço.
Os serviços constantes e ininterruptos na UTI são comumente descritos como estressantes e propiciadores de alterações psicopatológicas para a equipe de saúde, o paciente e sua família. Dentre os fatores de impacto, associados a seqüelas psicológicas adquiridas nas condições oferecidas na UTI, Sebastiani e Biagi citam as características da chamada tecnologia de cabeceira ou “Bedside Tecnology”: “O estranho maquinário, as constantes privações, interrupções e privação do sono, a superestimulação sensorial, sede, dores, abstinência de alimentos comuns, a alimentação endovenosa ou naso-enteral, a respiração por ventiladores, a monitoração cardíaca e a sua sinalização, os cateteres, procedimentos invasivos, a imobilização do paciente e ainda a superlotação de equipamentos no local (...)”.
Somado aos estímulos ambientais, a internação na UTI, representa para a criança ou o adulto, um momento de perda de conexão com seu ambiente cotidiano, de proximidade da morte e pode propiciar vivências emocionais de muita fragilidade. “O paciente traz, com a sua doença, a sua história. A gravidade do quadro clínico, a incerteza do diagnóstico e imprevisibilidade da evolução do tratamento de encontro à estrutura psíquica de cada paciente e de seus familiares vai atualizar peculiarmente, no hospital, a vivência de extremo desamparo, que é o destino humano.”II Esendrdrath, conforme citado por Biagie e Sebastiani , acrescenta que a vivência da regressão psicológica, manifesta como dependência extrema pode ser gerada como um mecanismo primitivo de enfrentamento ao estresse. O autor cita também, recorrentes sensações de medo e ansiedade vivenciadas, as quais podem agravar o quadro do paciente pois produzem mudanças fisiológicas. Outras reações desencadeadas no paciente, são fortes estressores para a equipe, tais como o desespero, agressões e choro convulsivo. Alguns pacientes podem evoluir para alterações psiquiátricas. Biagie e Sebastiane ao citarem Drubach e Peralta, acrescentam que “sintomas como agitação, psicose e a depressão podem complicar seriamente o curso da hospitalização e a compreensão do evento que ameaça a vida, gerando seqüelas de longa permanência.”
Todos estes aspectos citados, justificam a presença do psicólogo na UTI. Como citam Biagie e Sebastiani ao falarem de sua experiência sobre a importância de se amenizar os impactos da UTI, para sobrevivência do paciente crítico: “Fatores que mobilizam sentimentos e sensações perturbadoras são referidos pelos nossos pacientes, seus familiares e pela equipe de saúde constantemente. São sentimentos angustiantes permanentemente presentes, mas também podem ser compreendidos e neutralizados pela pronta intervenção.” No entanto, como explicitam Moura et al. ainda existe hoje uma enorme defasagem de trabalhos que explorem este entendimento do processo humano recorrente no Centro de Terapia Intensiva.
A tendência atual da psicologia aplicada ao sistema de saúde, ultrapassa o foco na relação equipe-paciente e equipe-familiares pois nesta interação, também estará envolvida a relação equipe-equipe. A presente pesquisa, pretende mostrar alguns resultados dessa tendência, baseado em um trabalho desenvolvido com os profissionais da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica no Hospital Regional da Asa Sul (HRAS), um hospital da rede pública do Distrito Federal. Foram discutidos alguns resultados de um projeto desenvolvido na unidade, o qual proporcionou aos profissionais, a partir de reuniões facilitadas pelo psicólogo, um espaço para se “trabalhar” dentre outros aspectos, a relação entre os membros da equipe. Estes encontros foram iniciados em 1998 para cumprir um dos objetivos específicos do Projeto de Humanização, que era: “Fornecer atendimento psicológico à equipe multidisciplinar da Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos”. Não foram esgotadas as contribuições que o trabalho de humanização implantado neste contexto, proporcionou aos servidores e usuários. O exemplo deste trabalho pioneiro na cidade, representa uma grande contribuição para a mudança atual no conceito de humanização na instituição de saúde.
O Projeto de Humanização em Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos, implantado neste hospital, tinha como objetivo a mudança de visão no atendimento. Buscou-se uma mudança de atitude dos recursos humanos e não apenas a aplicação de recursos materiais, conforme descrito no projeto original: “A preocupação hoje em dia não se faz apenas com o paciente, sua doença e seus familiares, mas também com a própria equipe técnica que está em maior ou menor escala envolvida com este atendimento.” Hoje, iniciativas como este projeto de humanização desenvolvido na UTI Pediátrica do HRAS, são incentivadas pelo PNAH – Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, lançado pelo Ministério da Saúde, o qual ambiciona, atingir a incorporação gradual dos 6500 hospitais do Sistema Único de Saúde. O objetivo é garantir a eficácia do Sistema de Saúde ligada à qualidade do relacionamento humano estabelecido entre os profissionais e usuários, entre os próprios profissionais e entre o hospital e a comunidade.III
A pesquisa qualitativa desenvolvida pressupôs uma investigação de campo. Buscou-se a explicação dos fenômenos em sua complexidade e não apenas descritiva. Foi analisado o conteúdo trazido pelo grupo de profissionais da UTI Pediátrica do Hospital Regional da Asa Sul, durante os encontros estabelecidos com o psicólogo. A análise teve como enfoque as relações grupais. Estas reuniões oferecidas aos funcionários da Unidade, destinava-se a garantir um espaço para que os profissionais pudessem cultivar uma relação de saúde com o trabalho. As reuniões eram semanais, com uma duração aproximada de uma hora. Os encontros tiveram uma freqüência média, de doze participantes, dentre os quais se encontravam enfermeiros, auxiliares de enfermagem, médicos, médicos residentes, fisioterapeutas, auxiliares de limpeza e psicólogos.
Os instrumentos utilizados foram a observação participativa e uma entrevista semi-estruturada com o grupo sujeito. A observação participativa ocorreu no período de onze meses nos anos de 2002 e 2003 nos grupos de encontros mencionado. Após concluída a observação participativa foi conduzida individualmente uma entrevista semi-estruturada de 5 questões com os participantes do grupo. O grupo sujeito foi analisado como uma entidade grupal. Conforme ZimermanIV grupo não é um somatório de indivíduos, apesar de existirem as identidades específicas preservadas dos componentes, a entidade grupal é influenciada por cada membro e possui leis e mecanismos próprios.
Portanto, as vias e instrumentos utilizados, tiveram como objetivo a compreensão da subjetividade nas relações grupais deste grupo de profissionais da UTI Pediátrica. Buscou-se compreender como as reuniões, facilitadas pelo psicólogo, interferiram no trabalho interdisciplinar do grupo.
Roteiro de entrevista semi-estruturada aplicado:
Há uma tendência hoje de valorização do trabalho em equipe interdisciplinar. O trabalho interdisciplinar de equipes de saúde, só foi iniciado depois da II Guerra Mundial, após a rápida expansão das faculdades de medicina e criação de novas especialidades. E somente chegou a ser formalmente reconhecido após a década de 70. Ou seja, historicamente, o trabalho de saúde feito interdisciplinarmente é recente no Brasil e poucos estão habituados a trabalhar desta maneira. Dentre os aspectos positivos advindos desta forma de trabalho considera-se o aumento da produtividade, da qualidade do trabalho e da satisfação dos profissionais envolvidosV.
Hoje, nos hospitais públicos, comumente são encontradas equipes multiprofissionais que diferem de um trabalho interdisciplinar em sua filosofia, estrutura e forma de atuação. Ao explicar o trabalho interdisciplinar de uma equipe, Latella faz uma analogia com a revoada de um bando de gansos formando a letra V, na qual cada membro tem sua importância nesta formação e para que todos possam alcançar suas posições, nenhum pode faltar. Nesta perspectiva, num contexto hospitalar, cada membro da equipe assumiria uma importância fundamental para o progresso de um paciente. Desta maneira, numa equipe de saúde interdisciplinar, o foco seria o paciente, todos estariam envolvidos em sua recuperação de modo a assumirem igual responsabilidade no processo.
Portanto, como no trabalho interdisciplinar está implícita a identificação de objetivos comuns pelo grupo, para que seja traçado um plano de ação, é fundamental que exista entre seus membros, uma boa comunicação e colaboração.Na presente discussão, foi mostrado como o trabalho das relações grupais, a partir das reuniões com o psicólogo e os profissionais da UTI Pediátrica, influenciou no trabalho interdisciplinar do grupo.
Nesta avaliação foram utilizadas, como referencial, algumas qualidades descritas por BionVI como necessárias ao “bom espírito de grupo”. Como ressalta o autor, identificar os aspectos que definem a “boa saúde” de um grupo não é uma tarefa simples. Bion aponta como necessário “um reconhecimento comum, por parte do grupo, dos limites deste e sua posição e função em relação às unidades ou grupos maiores”. Foi identificado, durante as reuniões que a reflexão dos participantes sobre este aspecto era importante para o funcionamento grupal. Durante os encontros, os profissionais apontaram dúvidas e questionamentos sobre problemas estruturais e políticos da Secretaria de Saúde refletidos no funcionamento da UTI Pediátrica. Juntamente com esta reflexão, o grupo teve a oportunidade de expressar sentimentos envolvidos, o que contribuiu para uma identificação das emoções presentes e da interferência das mesmas nas relações de grupo e processo de trabalho. Foi percebido que a emoção não expressa e não compreendida, também interferia em procedimentos técnicos, nas decisões e postura dos profissionais frente ao trabalho. Em uma das discussões, um auxiliar de enfermagem concluiu emocionado e surpreso: “Nós acabamos passando essas questões políticas para o paciente, a família e os colegas pelas nossas mãos”. Ainda sobre o reconhecimento de um contexto mais amplo interferindo nas relações grupais, outro aspecto foi trazido durante as reuniões: O problema do paciente crônico, o qual poderia ficar indefinidamente internado no hospital apresentando um quadro linear, enquanto a média do tempo de internação recuperável da UTIP era de 6,4 dias. Como ainda não existiam no hospital enfermarias separadas para estes pacientes, muitas vezes a equipe precisava discutir e decidir sobre a desocupação de um leito do paciente crônico para dar vaga a novas crianças. “Me sinto uma bruxa, às vezes chega um colega pergunta: Você não tem coração?” Citou uma médica. “Me sinto impotente” declarou outro participante.
Um aspecto de grande relevância para as relações grupais trazido durante as reuniões foi a relação dos profissionais com a morte, dor e sofrimento, parte da natureza do trabalho na UTI. Diversas pesquisas abordam hoje, a relação do homem moderno com a morte, a qual já não é familiar para a sociedade. Falar em morte hoje causa incômodo e morbidade. O hospital, em especial a UTI, tornou-se o local onde as pessoas morrem afastadas do convívio social. Lidar com a morte é igualmente difícil para os profissionais que trabalham no contexto hospitalar, como avalia PittaVII “o temor é de que sentimentos e reações descontroladas os façam perder o controle de si e da situação.” O grupo da UTIP demonstrou dificuldade em lidar com esta falta de controle da situação, o que levaria a uma quebra de onipotência. Os participantes do grupo relataram que muitas vezes chegaram a desejar que o paciente morresse no plantão do colega e não no seu período de trabalho. “Pelo menos não foi comigo que morreu!” Esta dificuldade, propiciou em alguns momentos, um clima de tensão gerado pela ausência de expressão de sentimentos. Muitas vezes, o silêncio na comunicação entre os profissionais estava traduzindo pensamentos e sentimentos não verbalizados: “Será que se eu tivesse feito diferente o paciente teria sobrevivido?” ou achar que o colega poderia ter feito mais. Quando um paciente passava todo o processo de internação e por vezes, vinha a óbito, não somente pacientes e familiares vivenciavam perdas, mas também a equipe. Entender este processo de luto, aprender a lidar melhor com os sentimentos e ter um espaço para expressá-los configurou-se em aspectos muito importantes para as relações do grupo diante da morte. Alguns participantes relataram que quando o índice de óbitos era grande na Unidade, alguém sempre mencionava: “Estamos precisando ir para reunião!”.
Outra qualidade encontrada no grupo da UTIP, favorecedora do trabalho interdisciplinar, foi a valorização da contribuição de cada membro da equipe. Foi demonstrado pelo grupo que cada membro da equipe atuava como uma peça fundamental para no funcionamento da Unidade. Relataram o reconhecimento do outro como um importante complemento para o seu trabalho. Uma auxiliar de enfermagem, declarou que não existia na Unidade, a falta de respeito motivada por uma hierarquia profissional. Citou como exemplo, que um médico não tinha o direito de ordenar-lhe algo com aspereza. “Todos são respeitados, não é admitida a falta de respeito. Isso não acontece” disse ela. Os participantes apontaram que a mudança de reuniões corporativistas, as quais propiciavam a competição entre profissionais, para reuniões multiprofissionais, contribuíram para uma melhor organização do processo de trabalho e conseqüentemente a minimização de alguns problemas enfrentados na Unidade. Nestes encontros, onde participavam profissionais de diferentes áreas, foi observada a contribuição para uma maior integração do grupo. Uma auxiliar de limpeza relatou, por exemplo, que a partir da sua participação nas reuniões, se sentiu mais incluída no grupo e percebeu que alguns profissionais os quais mantinham distância passaram a tratá-la com igualdade. Relatou ainda que se sentia valorizada e já participava ativamente do acolhimento dos pais das crianças internadas. Foi muito interessante observar que esta auxiliar de limpeza, não se limitou aos afazeres de higiene, mas envolveu-se com a finalidade da UTIP, cuidar do paciente. Ela demonstrou estar sempre atenta às relações grupais e disposta a contribuir para o bom funcionamento da Unidade.
“O grupo deve ter a capacidade de enfrentar o descontentamento dentro de si e possuir meios de tratar com ele”. Esta importante característica, apontada por Bion não foi apresentada pelo grupo em todos os momentos. Apesar de conseguirem identificar conflitos e entrarem em acordo diante de alguns desentendimentos, apresentaram grande tendência a velar as dificuldades relacionais. A comunicação entre os membros de um grupo é muitas vezes estabelecida a partir de transferências que consistem, segundo a teoria psicanalítica, na atualização de conflitos no relacionamento com o outro, a partir de um processo inconsciente. Segundo Zimerman, a transferência, localizada nas relações grupais aplica-se a cada indivíduo em relação com outro, em relação ao grupo, ou ao grupo e indivíduos em relação a uma figura central, o grupoterapeuta. A transferência desencadeia no outro, sentimentos que geram reações denominadas contratransferenciais. Quando uma contratrasferência desencadeia uma atuação negativa, ocorre o chamado acting out. Neste grupo de profissionais, as transferências e contratransferências, manifestaram-se num grau impeditivo da boa comunicação grupal. Em diversos momentos, tornou-se difícil trabalhar estes aspectos durante as reuniões, já que nem todos os profissionais da Unidade se dispuseram a participar dos encontros. Este foi um dos aspectos apontados pelo grupo como dificultores das relações grupais. As reuniões aconteciam no período da manhã, não contemplando os servidores que trabalhavam à tarde ou à noite. As pessoas que participavam das reuniões com freqüência, relataram maior facilidade ao tentarem solucionar conflitos relacionais, em função de uma maior integração e entendimento do outro. Ou seja, em situações onde foi identificada a existência da inversão de papéis, na qual sentimentos e pensamentos do outro foram abordados.
Segundo Bion, a capacidade de absorver novos membros e perder outros sem medo de perder a individualidade grupal deve ser flexível. Ao longo das reuniões, foi possível identificar uma evolução do grupo neste aspecto. A Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica recebia residentes, os quais trabalhavam por um ou dois meses, ou no máximo um ano e saíam da Unidade. Existia, portanto, além das pessoas que tinham um trabalho permanente, uma grande rotatividade de pessoal. Para o grupo, essa mudança constante na equipe, representou durante muito tempo, uma grande dificuldade, pois quando os residentes já estavam habituados ao serviço e à convivência com o grupo, eram substituídos. Antes de serem discutidas nas reuniões, estas perdas não verbalizadas, eram expressas em forma de desacordos e hostilidade frente aos novos residentes. Segundo o psicólogo que acompanhou o grupo durante seis anos, este conteúdo foi trazido às reuniões por diversas vezes, a partir de um símbolo, “a gota de sangue”, uma reclamação contra os residentes que sujavam de sangue o leito dos pacientes, por incapacidade. Neste período, não estava claro para o grupo, a dificuldade em perder e ganhar novos integrantes, o que resultava na atribuição do papel de “bodes expiatórios” aos mesmos. Quando um grupo não consegue identificar e lidar com suas dificuldades, pode existir a eleição de um bode expiatório, sobre o qual será depositada, segundo Zimerman, toda a “maldade” do grupo, o que pode resultar numa expulsão deste indivíduo. O grupo da UTIP demonstrou, ao longo das reuniões alcançar uma maior permeabilidade e aceitação de novos membros, apesar de existir sempre uma necessidade de reestruturação nestes momentos. Os residentes que entraram no serviço, no período da pesquisa, relataram se sentirem acolhidos, bem orientados e incentivados a fazer parte do grupo.
De acordo comMorenoVIII, o funcionamento de um grupo passa por etapas que vão de um período confuso, por vezes caótico podendo chegar em uma etapa mais avançada, à diferenciação, quando é adquirida uma identidade própria. Este fenômeno é descrito pelo autor como Matriz de Identidade. No grupo de profissionais da UTI Pediátrica, foi observado, ao longo de cinco anos, mudanças significativas nas relações grupais, acompanhadas por alguns de seus membros, como o psicólogo facilitador destes encontros, e a chefe da UTIP, uma das principais incentivadoras do trabalho. Inicialmente, por questões governamentais, juntaram neste hospital, duas equipes que trabalhavam em UTIs diferentes, a equipe que já desenvolvia um trabalho no hospital e a equipe vinda de outro centro de saúde. Havia neste início, uma clara divisão entre as duas equipes, as quais entravam em conflitos com facilidade e em freqüentes discussões. A forma diferenciada de se trabalhar dos dois grupos, era motivo de competição e imposições. As reuniões, por diversos motivos já citados, ajudaram a formar uma equipe única e integrada. Ou seja, o grupo passou de um período muito confuso e indiferenciado e trilhou um caminho rumo a “individuação”. Como já foi discutido, em alguns momentos a chegada de novos membros provocava um retorno a uma fase mais confusa, no entanto, a equipe conseguiu um equilíbrio e vislumbrou em diversos momentos, um trabalho realmente interdisciplinar.
A realidade dos hospitais públicos no Brasil hoje, é apontada pelo distanciamento entre os pacientes e equipe de saúde, como conseqüência de um sistema de saúde arruinado, no qual servidores reclamam da falta de recursos para um atendimento digno e usuários queixam-se do mau atendimento.
Este trabalho desenvolvido na UTIP, a implantação de um “grupo de reflexão”, mostrou que ao ser criado um espaço destinado ao preparo emocional da equipe de saúde, no qual os membros desta equipe tinham a oportunidadede desenvolver um ambiente de solidariedade e respeito pelos demais, tornou-se possível o restabelecimento da humanização não apenas na relação com o usuário, mas entre os servidores.
Não adianta apenas cobrar do profissional de saúde uma atitude mais respeitosa é preciso criar condições para tal. Este grupo é um exemplo de uma proposta de humanização implantada em condições não favoráveis que persistiu na instituição apesar das dificuldades enfrentadas. Ou seja, é possível promover a humanização nas instituições hospitalares mesmo em condições adversas.
Outra conclusão evidenciada a partir das presentes reflexões, refere-se aos resultados das reuniões com o psicólogo e os profissionais da UTI Pediátrica em questão. O trabalho das relações grupais contribuiu positivamente para a melhoria do trabalho interdisciplinar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Pitta AM. Hospital: dor e morte como ofício. São Paulo: Hucitec; 1999.
Moreno JL. Psicodrama. São Paulo: Cultrix; 1987.