Jason Jair Frutuoso abre para nós, de forma convidativa e envolvente, o lar e a vida de uma família de hemofílicos. Procura retratar somente a verdade e toda a verdade, sem ceder à tentação de confeitar os fatos com glacês emotivos que apregoassem um heroísmo de novela. Mas o faz com todas as matérias-primas de que dispõe e, de tal maneira se insere na vida dos personagens, que não consegue se desvencilhar. Muitas vezes temos de “esticar o pescoço do cérebro” e “olhar sobre seus ombros” para melhor enquadrar os personagens, com seus dilemas e manobras. Somos transportados de forma tão real para o seio da família de Marcela, que chegamos a sentir um ligeiro “ciúme” dos personagens em relação ao narrador.
A obra se baseia em personagens reais e atuais, cujo passado o autor transporta fielmente, com todo o suprimento de impressões e sentimentos correlatos. A interação com os personagens, que ele bem expressa, é de toda a comunidade que, impotente para auxiliar, mas dedicando-lhe uma veneração quase de súditos, “abria alas” por onde a família de Marcela desfilava com todo o seu drama e toda a sua galhardia. Por isto, esta “coroação majestosa” no final.
A obra, vista sob o ponto de vista de uma novela, certamente deixaria no leitor a sensação de história inacabada. Perfeitamente justificável, já que ela fala de ação humana, sempre em desenvolvimento.
Se os recursos técnicos evoluíram, tornando mais leve o fardo de quem foi “escolhido” para carregá-lo, a natureza humana continua a mesma. Sem uma fardo real a transportar, o próprio indivíduo cria um que lhe ocupe. Os expedientes urgentes para salvar uma vida podem ser substituídos por uma urgência em escolher a roupa certa para um evento ou a próxima cor dos cabelos, com a crueldade de que estes cuidados supérfluos não conferem ao indivíduo a sensação de laborar no sentido positivo da vida.
Marcela se sente, às vezes, culpada por transmitir a doença. Os amigos se sentem culpados por não poderem dividir com a família o peso desse fardo.
A sabedoria do Sr Carvalho mostra que o entendimento está compactado no nosso compêndio interior e fluirá esclarecedor, quando nos determinarmos a acessá-lo com a observação da vida.
A felicidade com que o leitor deseja receber Marcela no final, o surpreende, pois vem de cima e de dentro dela mesma. É o desafio que produz a sua felicidade pois “...a felicidade pronta é como voar com uma asa só ... só a asa do prazer não nos sustenta no ar”. Pág 164. Digo mais: as asas do prazer, sem a interação com o fardo, levam infalivelmente ao chão, em estado de total confusão e desequilíbrio.
De onde vem a força de Marcela? O autor não cita Deus a todo momento, como forma de se esquivar da responsabilidade. Prefere encarar os desafios para mostrar mais à frente que “...Deus não interfere diretamente nas coisas da natureza”. O milagre é a lei maior, anterior aos desafios; é ter dotado o homem de capacidade para equacionar suas demandas, feito que é à Sua imagem e semelhança. Deus respeita esta condição do homem, que precisa voar com as duas asas, até voltar ao paraíso, como era Seu propósito.
Jaeder Teixeira Gomes